Numa tarde como tantas outras, na capital de São Paulo.Linha 123. Terminal Bandeira. Destino:extremo sul da cidade. Aqui estou. Sete dias na semana.
_ A disposição destes ônibus novos são um horror!_ dizia o senhor com barba farta, preenchendo a revista de palavras cruzadas.
_Concordo...estranho ficar frente à frente desconhecidos. _ respondia a mocinha mascando chiclete, sem interesse em manter conversa, mas com os olhos fixados no charmoso rapaz com camisa pólo azul que acabara de passar a catraca, e sentara-se em uma das poltronas à frente.
Sobre este mesmo rapaz, comentava o velho acinzentado sentado na poltrona de encosto amarelo, com costas curvas e voz rouca, ao cobrador:
_Esse rapazinho é fruta, tenho certeza! Quem me dera ter essa pinta toda!Pegava um montão de garotinha!_e tossia tua tosse seca.
Sentada em uma poltrona alta nos fundos,a morena com coque displicente olhava além, na janela.E sob o túnel surfava ondas azuis e curvas, grafitadas no concreto armado. Deitava a cabeça no vidro. Isto era a cara de São Paulo, pensava enquanto encarava uma nova e radical manobra ilusória.
Uma mulher com saia comprida dorme profundo e pesado quando o "cowboy" de chapéu country senta-se ao lado, e, decidido a acorda, lhe chacoalhando o ombro. Com olhos esbugalhados, a senhora pulou da cadeira segurando firme à bolsa.O homem a puxou pelo braço de volta ao assento e confessou:
_Só te chamei pra mó di nóis prosear.Só isso.
A mulher o encarou perplexa e disparou:
_Agora visse, moço! Tô cansada, dormi nada fazendo hora extra, corpo moído... um desocupado que eu nunca vi mais gordo me acorda desse jeito! Agora... encosto de novo e durmo. Se me acordar de novo, eu grito!
Ao que o homem de chapéu respondeu, vermelho e com dedo em riste:
_Mas que gentalha o povo desse lugar!Prosear é crime por aqui?E se a senhora me respondesse grossa assim, e eu tivesse uma arma embaixo da camisa?Imagina se eu resolvo atirar?
O sol queimava, a cidade tinha mais residências, agora não havia tantos edifícios
O alto mulato com cara de poucos amigos deu sinal para o ônibus parar e atirou o sertanejo "destruidor de sono alheio" porta à fora aos safanões.Sem palavra.
Os que observaram a cena riram, e discutiam sobre cansaço, tolerância e solidão.
Estudantes cheios de entusiasmo e espinhas, exibindo orgulhosas cabecinhas carregadas de presilhas ou gel cola, previam em detalhes o futuro que teriam aos colegas.
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Enquanto isto, escureceu. Um bebê chorava em mil decibéis no colo da avó. Colegiais riam estridentes.A idosa resmungava por ninguém lhe oferecer assento. As buzinas ensurdeciam no congestionamento habitual. O funk de um mp3 rimava cachorras e novinhas. Passageiros gritavam ao motorista.Um vendedor ambulante tenta vender canetas.
Assim chego à periferia. Cumpro enfim meu itinerário.Os passageiros descem um à um. Sou levado à garagem de veículos públicos e vistoriado. E depois de varrido e lavado, descanso.
Porque até as máquinas paulistanas têm esse direito.
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