Fase atual do feminismo:
- Para quê?
- Por quê?
- Para onde?
- De que modo?
Diz-se
feminismo para todas as correntes de pensamento que se ocuparam dos
direitos das mulheres e que surgiram, sobretudo, no século 18 no
período iluminista. A existência intelectual de certas mulheres já
fora afirmada e reconhecida, mas é apenas no Iluminismo que aparecem
textos de feministas assim declaradas: Olympe de Gouges, na França,
e Mary Wollstonecraft, na Inglaterra.
O
feminismo filosófico não deve ser confundido com uma filosofia de
mulheres, ainda que seja significativo que elas o construam. Podemos
chamar feministas todos os poucos pensadores (de Condorcet a Stuart
Mill) que defenderam os direitos das mulheres contra a esmagadora
maioria de pensadores que discursaram contra as mulheres (de Platão
a Kierkegaard, passando por Kant e Schopenhauer).
O
problema feminista para a filosofia deve ser compreender como
fundamentar a razão (a teoria) – e a capacidade de argumentar com o
poder que dela advém (a prática) .
Feministas
como Mary Wollstonecraft criticaram essa postura mostrando que havia
algo de podre no reino do Iluminismo que se esforçava por construir
uma “universalidade” da espécie humana excluindo dessa
“universalidade” a metade representada por mulheres. Incorria
assim numa autocontradição cujo ocultamento de figuras
importantíssimas como Kant patrocinariam em termos de uma
justificação jurídica que sempre apelou para uma natureza menor –
intelectual e física – das mulheres.
Que
as mulheres não tivessem aptidão para o conhecimento era
justificado na base de sua natureza maternal e sensível própria
para ações que deviam ser confinadas no âmbito protegido do lar. O
feminismo consequente do ponto de vista filosófico deve se ocupar
hoje em questionar o que significa inclusive “as mulheres”, se
existe algo que deve ser colocado sob essa expressão.
Um
chão metafísico que tanto constrói quanto enclausura as mulheres
ao dar base à suposta “natureza feminina” era o que estava em
jogo até Simone de Beauvoir, em O
segundo sexo, de
1949 – livro que foi um divisor de águas na própria história da
filosofia ao levantar a questão do feminino como uma construção
dos homens. Anos antes, Adorno e Horkheimer, analisando a construção
patriarcal da razão na Dialética do Esclarecimento, já haviam
sustentado com menos alarde a mesma tese. Mas é Beauvoir, tão
criticada e, para alguns, já superada na discussão por pensadoras
como Betty Friedan, Julia Kristeva e Judith Butler – todas
envolvidas, cada uma a seu modo, com a crise da identidade feminina
–, quem abre os olhos para problema.
Que
a mulher seja um Outro do homem, que a mulher seja um Outro da Razão,
não é hipótese que se possa descartar sem uma crítica e análise
cuidadosas. Foi essa posição de Beauvoir que levantou a cisão
entre feminismo da igualdade, a corrente universalista em busca dos
direitos das mulheres, e a essencialista, a corrente da diferença
que tanto pode recorrer à igualdade de direitos, apesar da diferença
de “natureza”, quanto simplesmente sustentar o feminismo como
guerra contra “homens” e, na verdade, em favor de um mundo de
desigualdade que recai sobre as próprias mulheres, novamente
defensoras da maternidade como principal papel metafísico sempre
disfarçado de “papel natural”, como a lúcida análise de
Elisabeth Badinter mostrou nos últimos tempos.
Todo feminismo
consequente precisa continuar lutando pelo direito de cada um dentro
do todo, sem ingenuidade de que os direitos se construam apenas pelos
discursos, ainda que sua fundamentação passe por eles.
0 Leitor@s:
Postar um comentário